El Niño demanda gestão de riscos do produtor de cana de açúcar
Em entrevista ao NovaCana, a analista Lívea Coda compartilha suas visões para o mercado de açúcar, assim como perspectivas para esta e para a próxima temporada.
A atual safra de cana-de-açúcar trouxe uma perspectiva mais otimista para o mercado e, também, para os produtores. A expectativa, de forma geral, é de que a moagem se aproxime das 600 milhões de toneladas, um número que já foi alcançado em outras temporadas.
A Companhia Nacional do Abastecimento (Conab), vinculada ao Ministério da Agricultura (Mapa), apresentou em sua primeira estimativa que o Brasil poderá processar 637,1 milhões de toneladas em 2023/24, alta anual de 4,4%. O Centro-Sul, principal região produtora, deve ser responsável por 577,33 milhões de toneladas. Estes valores demonstram a expectativa por parte das usinas.
O mercado, por sua vez, espera um pouco mais. Um levantamento realizado pelo NovaCana com 18 empresas especializadas no setor apontou uma expectativa média de 592,01 milhões de toneladas de cana-de-açúcar no Centro-Sul em 2023/24.
Os impactos globais do fenômeno também devem afetar o mercado internacional do açúcar, que registrou altas nos últimos meses. Caso os patamares elevados se mantenham, os produtores brasileiros devem seguir direcionando a maior parte da matéria-prima para a fabricação do adoçante.
Para falar deste cenário e de quais fatores precisam ser levados em conta na safra 2023/24, a analista de açúcar e etanol Lívea Coda, da hEDGEpoint, já está confirmada entre os palestrantes da Conferência NovaCana 2023. O evento acontece em São Paulo (SP), nos dias 4 e 5 de setembro.
Ela participará do painel “Estimativas de safra e inteligência de mercado” juntamente com a analista de açúcar da S&P Global Commodity Insights, Luciana Torrezan, e o sócio da FG/A, Willian Orzari Hernandes.
Coda conversou com o NovaCana sobre o tema que será abordado no evento, indicando os principais fatores que podem influenciar a safra corrente de cana-de-açúcar. Confira a entrevista completa abaixo.
O mercado espera que a safra 2023/24 seja de volta à normalidade, alcançando o patamar de 600 milhões de toneladas no Centro-Sul. Você concorda com essa visão? Por quê?
Sim. Atualmente, nós temos uma estimativa de 595 milhões de toneladas de cana, um pouco mais conservador que a média do mercado, mas em linha com as expectativas. Essa recuperação é possível devido ao clima visto durante o período de desenvolvimento do canavial. Durante a janela de outubro a março, tivemos mais chuvas que nos anos anteriores, marcados por um clima mais seco como reflexo do La Niña. Além disso, a safra passada, 2022/23, já apresentou uma recuperação parcial devido a mais chuvas e a renovação do canavial, sendo um bom indicativo, aliado a continuidade da melhora climática, para um bom resultado em 2023/24.
“Há indicativos de que possamos alcançar 595 milhões de toneladas, ou até 600 milhões de toneladas [na safra 2023/24 do Centro-Sul]”, Lívea Coda (hEDGEpoint)
Na sua opinião, quais seriam os principais fatores de preocupação para os produtores na safra em andamento?
Acreditamos que possíveis chuvas de inverno – olhando para previsões de longo prazo, poderemos ter um agosto mais chuvoso – podem induzir a uma redução na qualidade da cana. Mas, considerando que os últimos anos apresentaram valores maiores que a média devido ao clima mais seco que contribuiu para a concentração de sacarose, a redução esperada para esse ano não significa perdas relevantes de produção.
Porém, esse não é um fator que o produtor pode controlar.
Exato. Mas monitorar o clima se torna ainda mais relevante para entender o comportamento do preço futuro e possíveis estratégias de fixação de preço para a próxima safra. Caso o El Niño venha de fato a ter impactos negativos relevantes para o hemisfério norte, poderemos ter uma tendencia altista ao nos aproximarmos da sua próxima safra, em outubro. Agora, se a produção desses países, principalmente da Índia, for pouco afetada, essa tendência pode não ser tão expressiva. Assim, monitorar a precipitação no sudeste asiático entre junho e agosto se torna essencial.
“O clima é o principal fator de preocupação. É preciso compreender tanto o impacto dele no Brasil, na qualidade da cana e no desenvolvimento da próxima safra, quanto no hemisfério norte, para entender o preço”, Lívea Coda (hEDGEpoint)
Alguns especialistas apontam que o El Niño é um ponto de atenção, enquanto outros dizem que ele não irá afetar tanto a região Centro-Sul, por estar em uma área de transição do fenômeno. Como você vê o impacto nesta safra?
O El Niño, de fato, não tem tanta correlação em termos de precipitação com a região Centro-Sul, afetando mais a temperatura, que tende a ficar mais quente. Caso o evento seja muito intenso, ele pode levar a uma maior precipitação durante o inverno, sendo prejudicial para a concentração de sacarose. Tivemos dois anos com bastante seca por causa do La Niña, com uma recuperação no ano passado, ainda que com uma pequena queda de qualidade. Neste ciclo, trabalhamos com números médios, próximos de 138 quilos de açúcares totais recuperáveis (ATR) por tonelada. Hoje, temos a previsão de longo prazo para agosto apontando chuvas acima da média. Porém, acreditamos que tal efeito já está precificado. O que não estaria e, de novo, é difícil de acontecer de forma expressiva, seria a conjunção de uma temperatura mais quente e um clima mais seco durante o verão, impactando o desenvolvimento para a temporada 2024/25.
Aliás, já é possível fazer previsões para a safra 2024/25 ou ainda é cedo? O El Niño que está chegando agora poderá afetar o próximo ciclo?
Ainda é bastante cedo para previsões relacionadas a 2024/25, então, mantemos uma visão conservadora/otimista de que o Brasil seguiria com recuperação. O risco do El Niño existe, porém, dada a pequena correlação é difícil esperar que seja expressivo. De qualquer maneira, o pior caso seria a conjunção de uma temperatura mais quente e um clima mais seco durante o verão, impactando o desenvolvimento para a próxima temporada. O que é mais certo é o impacto do evento climático na região Norte-Nordeste, que enfrenta dificuldades com a seca.
Em relação ao mix de produção, você acredita que a próxima safra também deverá ser açucareira?
Sim. Dada a expectativa de pouca ou mesmo nenhuma recuperação do hemisfério norte, esperamos que o aperto do mercado físico de açúcar se mantenha. Assim, torna-se difícil enxergar um cenário no qual o etanol recupere competitividade com o adoçante. Isso pode mudar se chover na Índia, mas nós enxergamos uma manutenção deste cenário de aperto, o que dará suporte para o preço do adoçante.
Como fica o etanol nesse cenário?
Temos incertezas relacionadas à política de combustíveis brasileira, o que dificulta suposições. Ao mesmo tempo em que podemos ter o etanol recuperando a competitividade na bomba, esforços para manter os preços domésticos do combustível reduzidos contribuem para essa disparidade entre o açúcar e o biocombustível. O consumo de hidratado não vai chegar ao ponto de superar esse suporte no mercado de açúcar, a não ser que tenha uma correção deste mercado de açúcar internacional. Ao mesmo tempo, o etanol de milho tem ganhado espaço. Com a safra recorde que teremos na commodity, torna-se ainda mais confortável e vantajoso para o usineiro priorizar o adoçante, considerando que qualquer espaço de demanda poderá ser suprido pelo renovável fabricado a partir do grão.
O mercado do adoçante deve continuar em alta ou há algum fundamento de baixa para os próximos meses?
De maneira generalista, há um aperto no mercado físico e um déficit se desenhando também para a temporada 2023/24 (outubro a setembro). Assim, não existem grandes fundamentos baixistas de longo prazo. O que pode trazer alguma volatilidade ainda em junho é o rápido ritmo de moagem da safra brasileira, dando outro fôlego para o mercado internacional. Além disso, devemos monitorar as chuvas na Índia para melhor entender a extensão do possível impacto climático em sua produção e, portanto, a disponibilidade para exportações em 2023/24. Os preços domésticos estão altos e o governo indiano pode intervir, deixando o cenário ainda mais altista ao direcionar mais produto ao mercado doméstico por meio de quotas. Caso a Índia contrarie todas as expectativas do mercado, mostrando recuperação da produção, podemos ter uma tendência baixista, dependendo do diretamente do volume disponível. Esse cenário se torna bastante improvável quando analisamos dados de previsão de precipitação de longo prazo.
Texto originalmente publicado no portal da Nova Cana: https://www.novacana.com/noticias/livea-coda-hedgepoint-monitorar-clima-essencial-entender-precos-futuros-210623#new-container
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