El Niño demanda gestão de riscos do produtor

5 de junho

Globo Rural

Depois de três anos seguidos sob os efeitos do fenômeno climático La Niña, a agricultura brasileira se prepara para enfrentar o El Niño.

A MetSul Meteorologia alerta que o fenômeno pode ser declarado ativo já na segunda metade de junho ou na primeira quinzena de julho. Uma das consequências esperadas é um acentuado aumento da chuva no Sul do Brasil, com extremos que podem ocorrer entre agosto e setembro.

Gilberto Cunha, agrometeorologista da Embrapa Trigo, sediada em Passo Fundo (RS), ressalta que, embora o evento climático siga um padrão, uma de suas características é a imprevisibilidade dos impactos que pode causar.

“Nenhum El Niño é igual ao outro, mas o fenômeno costuma ser favorável para os cultivos de verão, como a soja e o milho, e trazer preocupação para os cereais de inverno, como trigo, cevada, aveia, triticale, centeio”, diz Cunha.

Enquanto na região Sul do país o evento pode ser configurado por excesso de chuvas, maior umidade e nebulosidade, nas regiões Sudeste e Centro-Oeste as temperaturas devem ser mais elevadas, com pancadas de chuva, que podem reduzir os problemas causados pela estiagem.

Nas regiões Norte e Nordeste, o El Niño deve trazer redução significativa das precipitações, gerando secas e um cenário preocupante para a região Amazônica.

A MetSul também aponta indicativos de que o pico de intensidade do evento será no trimestre de outubro a dezembro deste ano, em um patamar de moderado a forte.

Mapas mostram efeitos do El Niño e La Niña para a agricultura brasileira — Foto: Giovanna Gomes/Ed.Globo

Mapas mostram efeitos do El Niño e La Niña para a agricultura brasileira — Foto: Giovanna Gomes/Ed.Globo

O que é o El Niño?

Danielle Barros, meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), explica que o El Niño é um fenômeno climático natural, que ocorre no Oceano Pacífico Equatorial, por meio da interação entre o oceano e a atmosfera.

“O fenômeno influencia as chuvas e as temperaturas em todo o planeta”, comenta. Quando o oceano está mais quente, acontece o El Niño e, mais frio, a La Niña.

Ela confirma que os principais impactos provocados pelo El Niño no Brasil são as chuvas mais abundantes na parte Sul do país e a diminuição das precipitações nas regiões Norte e Nordeste.

“Será ao contrário dos últimos anos, quando, sob influência da La Niña, houve estiagem no Sul e muita chuva no Norte e Nordeste”, salienta Danielle.

Já para a região Central, não há um padrão de chuvas, porém a temperatura deve ficar mais aquecida.

Segundo Danielle, os impactos do El Niño devem se tornar mais evidentes na primavera, porém, algumas consequências do evento podem começar no fim do inverno, com aumento das chuvas na região Sul e impacto nas lavouras. “Isso pode gerar excesso de umidade e afetar a safra de inverno”, comenta.

Mas ela também aponta um favorecimento para a agricultura na região, por causa da menor ocorrência de veranicos. Já para o Matopiba (região da confluência do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), a previsão é de redução das chuvas, o que pode trazer impactos na produtividade das culturas.

Com base nos modelos internacionais de avaliação, a meteorologista confirma que a projeção é de intensidade moderada a forte para o El Niño neste ano, com destaque para o aumento na temperatura média global, maior umidade, mas uma safra boa. “Américas do Norte e do Sul devem ser beneficiadas pelo clima, principalmente Paraguai e Argentina”, analisa.

Dessa maneira, as chuvas serão em forma de pancadas intensas, provocando mais impactos como enchentes, alagamentos e desabamentos de encostas.

No caso da agricultura, Sampaio adverte que enquanto na região Sul o produtor deve preparar o solo para o excesso de chuvas a partir da primavera, no Sudeste é preciso atenção no que se refere à erosão do solo, que pode ser provocada pelas pancadas de chuva.

Já os impactos que podem ser gerados pela seca nas regiões norte e leste da Amazônia devem ser sentidos somente no início de 2024.

Alerta para a região Sul

Com a previsão de um segundo semestre chuvoso para o Sul do país, o agrometeorologista da Embrapa, Gilberto Cunha, lista as principais preocupações para os produtores de trigo e outros cereais de inverno. “O ambiente de maior umidade pode afetar o desempenho das lavouras, uma vez que há maior dificuldade de controle de doenças como a giberela (doença fúngica).”

Ele acrescenta que a menor disponibilidade de radiação solar também pode afetar o potencial produtivo das espécies e o excesso de chuva, no momento da colheita, pode afetar negativamente a qualidade dos grãos. “Por isso, uma das principais recomendações ao agricultor é não procrastinar a colheita, pois há probabilidade de chuvas mais frequentes na primavera.”

Cunha destaca que não se pode ignorar as lições dos fenômenos passados, porém, há avanços importantes em relação aos anos anteriores de El Niño, que ocorrem com intervalos de cinco a sete anos, em média.

“Hoje, temos outro padrão de tecnologia de produção, com cultivares com melhor genética e maior resistência a doenças, além de práticas estratégicas de proteção de plantas”, frisa Gilberto Cunha.

A maior adesão a instrumentos de seguridade das lavouras também é apontada pelo especialista.

Assim como nos cereais de inverno, a chegada do fenômeno climático não é considerada favorável para o arroz irrigado, cuja produção nacional está 70% concentrada no Rio Grande do Sul, com cerca de 1 milhão de hectares plantados.

“As lavouras ficam em áreas de várzea, por isso, em anos de El Niño, é mais problemático”, enfatiza Sílvio Steinmetz, pesquisador da Embrapa Clima Temperado, responsável pelo laboratório de agrometeorologia.

O pesquisador aponta que, primeiramente, o produtor pode ter dificuldade para preparação das áreas. Aqueles que optarem pela técnica de preparo de verão da lavoura – utilizada por muitos produtores da região -, para apenas semear e plantar na primavera, ainda podem ter um bom resultado.

Já aqueles que adotarem o preparo convencional, podem ter problemas devido às chuvas, com atraso da semeadura e com chance de colher menos.

Assim como nos cereais de inverno, a chegada do fenômeno climático não é considerada favorável para o arroz irrigado — Foto: Freepik

Assim como nos cereais de inverno, a chegada do fenômeno climático não é considerada favorável para o arroz irrigado — Foto: Freepik

Steinmetz ressalta que à medida em que o ciclo da cultura atrasa, diminui a produtividade. Para o agricultor que fizer o preparo convencional da área, entre os riscos em função das condições meteorológicas está uma menor resposta à adubação hidrogenada, devido à redução da radiação solar, e aumento da incidência de doenças como a brusone (fungo).

Dessa maneira, pode aumentar o custo de produção, uma vez que o produtor terá que ampliar as pulverizações na lavoura.

Gestão integrada de riscos

Para minimizar os possíveis efeitos do El Niño, o aprimoramento do uso de ferramentas de gestão integrada de riscos é apontado como fundamental. “Entre as estratégias de diluição de riscos está a diversificação de épocas de semeadura, obedecendo o calendário do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc), e o uso de cultivares de ciclos diferentes. Além disso, fazer o monitoramento das lavouras tomando as medidas de proteção fitossanitárias”, enumera Cunha.

Outra recomendação do especialista é, no âmbito do manejo dos cultivos, como adotar a rotação de culturas, ou seja, não plantar o grão na mesma área em que foi plantada anteriormente, seja o trigo ou outros cereais de inverno, que não configurem espécies para essa estratégia.

Aderir às operações de seguridade rural que estejam ao seu alcance e contar com assistência técnica competente também são aspectos fundamentais para minimizar perdas.

“Em anos de El Niño, o agricultor não deve ter expectativas de elevar rendimentos – a exemplo dos anos de La Niña – a fim de não ter frustrações. Mas, também, não precisa ser visto como um ano sinônimo de tragédia, é preciso ter clareza que o nível de impacto dependerá da intensidade com a qual o fenômeno irá se configurar. O produtor deve primar pela tecnologia de produção, bom manejo e orientação técnica”, conclui Cunha.

Padrão climático

A mudança climática é uma realidade e deve fazer parte da estratégia de gestores e de atores do segmento produtivo – cooperativas, setores público e privado.

Jean Ometto, pesquisador do Inpe e coordenador do projeto Adapta Brasil – sistema de informações e análises sobre impactos das mudanças climáticas -, considera que o mapeamento de riscos para a definição de ações de adaptação e de mitigação dos efeitos negativos dessas mudanças é crucial a partir de agora.

“O processo de alteração do clima está acontecendo, não tem volta, é quase um chamamento para a adaptação. Essa mudança de padrão climático tem que ser incorporada no planejamento”, enfatiza Ometto.

Ele lembra que, no Brasil, a agricultura depende do clima, uma vez que o país possui apenas cerca de 13% de área irrigada.

O pesquisador cita algumas ações que devem ser priorizadas no planejamento como conservação do solo, preservação de mananciais e da biodiversidade, manutenção de paisagens multifuncionais e conforto animal. “Esses elementos são importantes para a resiliência e a diversidade na produção agrícola, por isso temos que buscar quais são as tecnologias para trabalhar com eles”, observa.

Clima ajuda o desenvolvimento de sorgo nas lavouras de Goiás

A plataforma Adapta Brasil – sistema instituído por meio de uma portaria do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e desenvolvido por meio de cooperação entre o Inpe e a Rede Nacional de Pesquisa e Ensino (RNP) – disponibiliza uma série de indicadores de avaliação da vulnerabilidade de setores estratégicos para o país como a segurança alimentar, que inclui risco de impactos, para cada região do mapa, para eventos de seca e chuva.

A plataforma ainda traz projeções para 2030 e 2050, classificando os cenários como otimista ou pessimista. O índice de risco de impacto para seca, por exemplo, apresenta um cenário pessimista para 2030 e 2050, com boa parte do mapa do Brasil nas cores amarelo (risco médio) e laranja (risco alto).

“Tanto a seca quanto o excesso de chuva são mudanças que representam risco para a produção agrícola. Com o agravamento nos índices de risco, é necessário o desenvolvimento de políticas públicas e ações que envolvam a iniciativa privada, as cooperativas e os produtores”, salienta.

Agricultura ABC+

Para Eduardo Assad, professor do Núcleo de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV Agro) e pesquisador do Cepagri/Unicamp, dar escala à agricultura ABC, por meio da linha de crédito do Plano ABC, é a principal maneira de garantir ao produtor brasileiro condições e tecnologias para enfrentar as mudanças climáticas.

O programa ABC+ é destinado ao financiamento de tecnologias e sistemas de produção nas propriedades rurais, para promover uma agropecuária mais adaptada à mudança climática e também mitigadora de gases de efeito estufa.

“Estamos no caminho certo, mas depende da adoção dessas práticas e de recursos. Estou ansioso pelo lançamento do Plano Safra para ver se aumentaram o valor destinado ao programa”, afirma. A expectativa, segundo o professor, é de que, com o aumento, os valores destinados ao ABC+ passem de 2% para 10% do orçamento.

Assad ressalta ainda que um fator essencial para reduzir os efeitos das mudanças climáticas é o fim do desflorestamento. “Tem que parar o desmatamento. Se essas práticas financiadas pelo programa ABC+ forem adotadas, num futuro não muito remoto o Brasil pode ser visto como um dos países que mais reduzem a emissão de gases do efeito estufa”, considera.

Como o El Niño pode afetar cada cultura?

Análises do relatório El Niño e seus efeitos no mercado de commodities, lançado pela hEDGEpoint Global Markets, trazem projeções de impactos nas culturas de milho e soja, trigo, café e açúcar para o mercado global, incluindo o Brasil.

Milho e soja

Na América do Sul, duas janelas são relevantes: outono/início do inverno – quando o milho de inverno se desenvolve no Brasil – e primavera/início do verão – com a soja no Brasil e soja e milho na Argentina. No Brasil, o risco de geada é menor e o crescimento é favorecido (desde que as temperaturas não sejam excessivamente altas).

Como o El Niño não é tão correlacionado com a precipitação no Centro-Oeste, ela pode se desviar para ambos os lados. Como tal, isso se torna um fator decisivo que pode puxar a safra para cima ou para baixo. E com a probabilidade de clima quente na região, o impacto do estresse hídrico sobre as produtividades é maior.

Assim, nos anos em que a precipitação é boa, a produtividade do milho inverno também tende a ser maior. No entanto, quando ela falha, as altas temperaturas podem levar a perdas. A questão é que o inverno já é a estação mais seca do Brasil e, neste ciclo, vários estados plantaram milho fora da janela ideal, o que pressiona ainda mais as lavouras.

Café

As lavouras de ficaram sujeitas aos impactos negativos do La Niña nas últimas três safras, e o El Niño também pode representar uma ameaça para o desenvolvimento da safra. Por ser uma cultura perene, o café é mais vulnerável a anomalias climáticas, uma vez que tais eventos podem impactar não apenas a safra atual, mas também as futuras. A safra que seria mais afetada pelo fenômeno é a de 2024/2025, já que a expectativa é que ele fique ativo apenas no segundo trimestre.

Passando do período de crescimento vegetativo para o de pós-florada, a visão do El Niño muda drasticamente: temperaturas muito acima do normal durante o enchimento e maturação dos frutos podem ameaçar o desenvolvimento. Além disso, se o fenômeno afetar também o regime de chuvas, pode levar a um período mais seco, ameaçando a visão otimista para a produção em 2024/2025.

Cana-de-açúcar

A fase de cultivo da cana começa em meados de setembro e vai até março. Neste período, o ideal é que haja precipitação abundante, luz solar adequada e umidade do solo. Na época da colheita, pouca precipitação induz maior teor de sacarose, o que costuma acontecer no inverno brasileiro.

O El Niño pode levar a um inverno mais úmido – ruim para o ritmo da safra e para a concentração de sacarose – sua ocorrência costuma impactar negativamente a produção total do adoçante.

Além disso, durante a janela mais importante de desenvolvimento da cana (dezembro a fevereiro), o padrão climático pode induzir uma redução na precipitação do Centro-Sul, especialmente no norte de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, comprometendo o desenvolvimento da próxima safra.

No entanto, as correlações do fenômeno são menores para a precipitação na região, reduzindo seus efeitos esperados na produção total brasileira.

Trigo

Como o trigo tem uma produção mais diversificada do ponto de vista geográfico, o El Niño pode ter impactos significativos e diversos nas lavouras nos principais países produtores e exportadores do mundo, prevê a hEDGEpoint Global Markets.

O El Niño terá um impacto altista nos mercados de trigo em 2023/2024, uma vez que pode reduzir drasticamente as safras canadense e australiana, sem contar o impacto negativo na safra de primavera da Rússia, enquanto a melhor perspectiva para as safras de primavera dos EUA e da Argentina não será capaz de compensar essas perdas. A análise referente ao trigo não traz dados sobre o Brasil.

Texto originalmente publicado no Globo Rural: https://globorural.globo.com/tempo/noticia/2023/06/el-nino-exige-gestao-de-riscos-do-produtor.ghtml

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