Açúcar: disputa de espaço físico com grãos eleva risco?
Toda previsão sempre traz embutida algum grau de risco, diante da multiplicidade de fatores que influem nos mercados, mas, ao que tudo indica, a disponibilidade de açúcar deve seguir pressionada ao longo de 2023. E os principais fatores que sinalizam para o aperto de disponibilidade e, portanto, suporte de seus preços acima de 25USc/lb, são três:
– A queda na produção do Hemisfério Norte, em especial na Ásia (Índia e Tailândia);
– A intensificação da probabilidade do El Niño e seus possíveis efeitos negativos para disponibilidade futura do adoçante;
– O provável estresse na capacidade de exportação do Brasil, diante de uma estupenda safra de soja (e também de milho) – e, neste caso, sabemos, os grãos têm preferência em relação ao açúcar na hora do embarque.
Traduzindo: como não se tem conhecimento de investimentos em ampliações da infraestrutura e na capacidade portuária brasileira, a exportação do açúcar, ao competir com a vasta disponibilidade de grãos, poderá ser deslocada, em relação ao calendário. Usualmente, o pico de exportação do açúcar se dá entre junho e agosto, porém, este ano pode ocorrer no 4º trimestre, entre outubro e dezembro. Confira detalhes a seguir.
As condições precárias na Índia e na Tailândia
Como já era esperado, a estação das monções se estendeu até setembro-outubro de 2022 na Ásia, levando a uma queda na produtividade na Índia e na Tailândia, principais produtores do Hemisfério Norte, e a consequente necessidade de aumentar o ritmo da moagem.
Além do clima e do aspecto físico, existem outros fatores que podem influenciar o desempenho do açúcar no cenário global. Na Tailândia, há a competição com o mercado da mandioca, que pode resultar, inclusive, em redução na área plantada do país. Na Índia, variáveis do programa de etanol são o elemento que tende a reduzir a disponibilidade de açúcar.
Agora em 2023, especificamente, com a intensificação do fenômeno El Niño, o mercado deu início à precificação de um segundo ano de produção reduzida nos principais produtores do HN, visto que as monções podem vir abaixo da média e prejudicar o desenvolvimento da cana. Com isso, espera-se que o volume disponível nos fluxos comerciais de açúcar a partir de outubro seja reduzido.
O Hemisfério Norte e o “fator” Brasil
A deterioração das perspectivas da safra atual do Hemisfério Norte, que impacta suas expectativas de produção total e recuperação da safra futura, torna os fluxos comerciais mais dependentes da produção brasileira. Como e por que isso acontece?
Em primeiro lugar, porque a produção de soja e milho no país deve melhorar significativamente – a soja, de 78,9Mt em 2022 para impressionantes 92,4Mt em 2023, e o milho, de 43,4M para 49,2Mt. Com isso, a capacidade de exportação deve testar seus limites durante a janela de junho a agosto. E é de conhecimento geral que a corrente tende a quebrar no elo mais fraco, ou seja, como o mercado de grãos tem maior margem/rentabilidade, geralmente o açúcar é realocado. Dito de outra forma: considerando a capacidade máxima histórica de exportação (grãos combinados com açúcar), as usinas teriam que esperar um pouco mais para que seu produto atingisse o mercado internacional. Ademais, reduzir o volume de junho a agosto, e aumentá-lo a toda velocidade a partir de setembro, contribuiria para que o atual aperto físico ganhe força e dure mais do que o esperado, persistindo até pelo menos até o terceiro trimestre de 2023.
Um aspecto interessante a destacar é que esse ajuste na sazonalidade das exportações brasileiras vai acabar se antecipando à menor produção do Hemisfério Norte em 23/24. Mesmo com uma safra expressiva, o Brasil não será capaz de resolver os fluxos comerciais. O deslocamento acaba por balancear o mercado de açúcar, evitando um superávit momentâneo que poderia ocorrer caso o Brasil colocasse grande parte do seu volume ainda no 2T. O deslocamento, portanto, faz com que o açúcar brasileiro chegue no mercado quando os efeitos de um possível segundo ano de baixa produção do Hemisfério Norte começariam a ser sentidos. Dessa forma, o preço do açúcar tende a seguir sustentado: o fluxo comercial permanece apertado. O risco a este cenário seria uma recuperação do HN. Caso ocorra, a maior disponibilidade em T4 pode ser vista como baixista.
De qualquer forma, seguiria havendo um viés de redução de preço, e este até poderia ganhar tração, mas apenas se a produção do Hemisfério Norte em 23/24, contrariando todas as perspectivas atuais, vier a adicionar um volume extra a esse excesso de oferta esperado.
O cenário para o açúcar brasileiro
Como referido no início, toda análise possui algum grau de risco. No caso do açúcar brasileiro, trabalha-se com a perspectiva de que o país seja capaz de produzir cerca de 595Mt de cana, alcançando cerca de 37,6Mt do adoçante. Embora um ano max açúcar se torne mais claro a cada dia, especialmente considerando o atual aperto do mercado físico e a alta dos preços, há fatores que vão influenciar esse cenário. Entre eles, decisões do governo sobre combustíveis, seus impostos e metodologia de preços. Ademais, um El Niño forte pode penalizar a qualidade da cana e o ritmo da safra.
De outra parte, a sinalização é de que seja superado o nível de 18Mt de exportações em um mês (grãos e açúcar combinados), o que seria problemático. É preciso, entretanto, considerar que a capacidade de exportação é extremamente difícil de estimar, e sempre pode haver surpresas. De qualquer forma, mantendo-se ou não a sazonalidade habitual, esse fator não altera o cenário de aperto do físico: apenas o redistribui.
A síntese possível
Como referido anteriormente, considera-se que há pouca ou nenhuma perspectiva de recuperação nos principais players do Hemisfério Norte (Índia, Tailândia e UE), cujo fluxo pode ficar ainda mais apertado, a depender do impacto do El Niño.
Em resumo, o aperto físico deve persistir, dando suporte aos preços do adoçante. Caso haja uma alteração no ritmo de exportação do país, o fluxo comercial se torna mais balanceado e mantêm-se o suporte – ainda mais dentro de um contexto de deterioração das safras do Hemisfério Norte. Caso não haja uma redistribuição da exportação brasileira, uma maior disponibilidade pode encontrar seu caminho para o fluxo global ainda em T2, induzindo possíveis correções.
O maior risco aos patamares de preços hoje observados é climático: qualquer melhora na perspectiva para o HN pode induzir correções de preços.
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